A Constituição Federal, por meio do art. 170, inciso IV, fomenta a livre iniciativa do particular e a possibilidade de atuação dos agentes econômicos no mercado, sem maiores obstáculos além dos inerentes à própria atividade, mediante uma competição justa e favorável à produção, circulação e consumo de bens e serviços. Diante disso, para além de um princípio econômico básico, a livre iniciativa configura-se como fundamento da justiça social, em razão da valorização da existência digna.
Nessa contextura, tal pressuposto tem tido um papel significativo na formação e na existência de diversos tipos de sociedades empresariais, estimulando o empreendedorismo, a competição, a especialização, o investimento de capital e a globalização dos negócios.
Sob esse viés, a livre iniciativa econômica permitiu que os empreendedores tivessem liberdade para escolher o tipo de organização empresarial que melhor se adequasse aos seus interesses e necessidades, dentro dos limites estabelecidos pela legislação. Por certo, isso incluiu a possibilidade de criação das sociedades limitadas, que oferecem maior flexibilidade e menor burocracia em comparação com outros tipos societários mais complexos, como as sociedades anônimas, e em prol de facilitar a constituição de empresas em que os sócios possuam responsabilidade limitada, mas com menor rigidez nas regras de governança e estruturação.
No que tange às deliberações, ações fundamentais para a gestão e governança das instituições e que permitem a tomada de decisões importantes, a regulação interna da empresa, a transparência e a prestação de contas, a Lei 14.451 de 2022 se propôs a alterar os quóruns de decisão das sociedades limitadas com o intuito de facilitar o processo decisório.
Dentre as inovações legislativas é válido ressaltar: a designação de administradores não sócios depende agora da aprovação de pelo menos dois terços (⅔) dos sócios, antes da integralização do capital, quando a regra anterior exigia unanimidade; no caso de o capital já ter sido integralizado, a norma prevê a aprovação de titulares com mais da metade do capital social, sendo antes quórum de, no mínimo, dois terços; a destituição do sócio administrador passa a requerer aprovação dos quotistas que correspondam a, pelo menos, mais da metade do capital social, exceto se houver outra disposição prevista em contrato, fato que exigia aval por, no mínimo, dois terços do capital social, na regra anterior; outrossim, quanto ao quórum modificação do contrato social e de matérias referentes à incorporação, fusão, dissolução da sociedade ou cessão do estado de liquidação, passa a ser de maioria absoluta do capital social.
De modo geral, a mudança aproxima mais as sociedades limitadas das sociedades anônimas, permitindo maior ingerência e exercício do controle com menor participação no capital social. Com as alterações, verifica-se um quadro mais simplificado e dinâmico para aprovação de deliberações societárias, que passam a depender de aprovação por um quórum inferior ao que era exigido anteriormente.
Apesar de as alterações legislativas não terem sido extensas, podem causar algumas repercussões no dia a dia das sociedades limitadas, especialmente daquelas constituídas antes da vigência da Lei nº 14.451/2022. Um exemplo disso seria a alta das movimentações do judiciário, por parte de sócios minoritários das sociedades limitadas, sob alegações de que a sua vontade de fazer parte da sociedade foi manifestada ao considerar quóruns então previstos no Código Civil e afirmando estado de desequilíbrio.
Cumpre destacar, portanto, a importância da revisão dos contratos sociais e acordos de sócios, para que se evite litígios entre os associados, bem como se realize as devidas alterações em favor da adequação à nova regra, afinal, em detrimento desta, espera-se a construção de um cenário mais atrativo às captações de investimentos e transações societárias e consequentemente a potencialização e desenvolvimento das sociedades limitadas em plano nacional e internacional.
Maria Emília Doroteu de Pinho Mendonça.